domingo, abril 09, 2006

Ser ou não ser...














     Uma escolha simples: vida ou morte. A vida — cinética, caos, moção — é inexorável. Ou se a vive, ou se a conserva. Como um grito que se escolhe entre diluí-lo no silêncio universal ou retê-lo, intacto, na garganta.
     Há os colecionadores de vida. Como, ao passo que não se pode possuir animais empalhados, senão os matando, eles colecionam, melhor dizendo, a morte. Em outras palavras, são conservadores.
     Conservar: manter sem alteração. Para que se tiram fotografias, se escrevem diários, se fazem juras de amor, ou promessas, simplesmente? Ora, se isso não é matar!
     O destino é irônico. Sabiam os mumificadores que haveria deveras mais vida na putrefação do cadáver que na múmia perfeita? Não importa, sabe-se apenas que o conceito da palavra por vezes é errôneo. O clichê "vida estável" é, por definição, uma falácia.
     Quem vive é porque não entende a vida. Quem vive segue apenas por instinto. O racional, por outro lado, percebe o tremendo golpe que lhe estão tramando — porque viver é, resumidamente, crescer e definhar —, e decide parar.
     Nessa estagnação (morte) é que se baseiam muitas vidas. Eu mesmo tenho diários, guardo fotos, luto pela estabilidade, registro tudo para não esquecer e cuido bem do que já tenho. Em suma, um suicida. Cada vez que eu encontro uma frase, um verso ou idéia que me aprazem, eu registro. Registro mesmo pensando que seria mais poético se os versos fossem sempre novos, e não os mesmos, sempre repetidos. Eu ouço algumas músicas 30 vezes por semana.
     O engraçado é que eu ainda estou vivo. Lá pela vigésima repetição, eu percebo novos acordes em "How Insensitive", do Jobim; os meus diários são esquecidos; as minhas fotos da infância amarelam de desdém do meu plano suicida... Enfim, tudo vai para o mesmo lugar para onde foram as constantes de Planck ou as fórmulas de polinômios. E surgem coisas novas. Não dá pra morrer.
     A última ironia da qual vou falar aqui, então, é que, por criarmos tantos estratagemas visando à morte, acabamos vivendo mais ainda. Mas deixa pra lá, que eu já tô confuso.

6 comentários:

Anônimo disse...

Hum, Cacau!

Muito bom. Diria até que deveria ter uma continuação.

Alfaia disse...

Só de pensar que tudo isso me consome e que a maneira mais bela de morrer é viver, me passa aquele frio na espinha e uma vontade de me apegar a um ser superior e me consolar que tudo está tranqüilo e sereno.

Borba disse...

É, não sei que atitude tomar perante à idéia. Já tinha pensado nessa possibilidade, aliás, bela hipótese a sua.

Não adianta ficar filosofando aqui. Vou dormir, e assim perder tempo (ou ganhar?) pra viver mais.

Viver mais um dia amanhã. E ao passar do dia, ter morrido mais um.

Anônimo disse...

Há quem diga que viver é apenas se preparar para morrer.

Mas deixa pra lá, por que eu também estou confusa.

Alexandre Lucio Fernandes disse...

hum, esse modo alusivo a esse gótico vital é interessante. Seria opção nossa viver mais para depois morrer ou morrer estando vivo?
Esse assunto é confuso por sim.

e que coisa dificil de entender...
ah... esquece, vou viver.

ALF

Anônimo disse...

Simplesmente perfeito, admirável, tão sólido quanto insolúvel no meu oceano de pensamentos: o texto. POr mais confuso que seja, tão esclarecedoras foram as suas palavras.