quarta-feira, abril 19, 2006

Nome sem sal

Ele era um menino mirrado. Mirrado da cabeça grande. O cabelo ralo, os olhos escusos, a boca pequena. Assim ele era, magro que só ele.
Não brincava na rua, não corria na varanda, não subia em mangueira, não pulava muro, não brincava no escuro.
Mas mais triste que isso era não saber o significado do seu nome, assim ele o achava. Pipoca? Que nome é esse? O que é pipoca?
O Nozinho era filho do Seu Nô.
O Sulapa era grande e gordo. Não havia moleque na rua que não houvesse levado uma sulapada do Sulapa.
O Tíltíl era elétrico. Não parava quieto.
O Perna-Um tinha os cambitos quase tão finos quanto os cambitos do Pipoca. O Perna-Dois até que tinha a perna grossa, mas ele era irmão mais novo do Perna-Um, então ele aceitava. “Maldita hierarquia - pensava ele – um dia acabo com isso!”.

E só o Pipoca não entendia o seu Pipoca.

Já tinha até tentado:
- Mãe...
- Não me torra a paciência, moleque!
Sua avó não falava nada.
É, ela era muda mesmo.
Ficava sempre lá, com aqueles olhos esbugalhados, na sua cadeira de balanço tão suave quanto uma bela bossa.
Pai, ele não tinha.
E assim viveu. Cresceu, viveu e morreu, sem ao menos entender. Com os olhos cinzas e sombrios, com a boca seca e o resquício impávido de quem nunca comeu um saquinho de pipocas quentes, com gosto de manteiga.

10 comentários:

Borba disse...

Procurei um adjetivo pra resumir este texto e não achei.
Talvez 'ruim' caiba aí.

Alfaia disse...

Lá vem o Borba com a falsa modéstia!

O texto tá sensível, tá delicado.

Lembro de um que eu li há muito tempo que o nome do menino era Pipoca, também. Um funcionário em serviço do IBGE(?) perguntou o nome do moleque à mãe. Ninguém lembrava e o homem acabou colocando o nome de Pipoca na ficha. Nunca esqueci do texto.
:]

Borba disse...

Eu disse 'talvez'.
Assim como talvez fique melhor 'sensível' mesmo :)

Alexandre Lucio Fernandes disse...

Era pra entender???

Francamente...


ALF

Anônimo disse...

Então, o Pipoca me lembrou o Pacu, que me lembrou o Santoro e me fez ficar muito feliz!


=)


Mas, diferente do Pacu, o Pipoca me pareceu não conseguir ler o livro de cabeça pra baixo, ler as sereias, as bailarinas...


Porque está na cara que o Pipoca é muito mais, ele era além... como muitos meninos que conhecemos por aí...


Aposto que o sobrenome dele era Guaraná!


Gostei do texto. É simples e despretensioso, por isso bonito:


Sensível, como disse o Renan, que é a palavra que mais parece caber.

Alexandre Lucio Fernandes disse...

O que vejo nesse instigante (?) leitura é um menino oculto em suas próprias indagações, mas que no fundo guarda um grande talento. Relendo pude perceber a sensibilidade da existencia do garoto.
Mas porque seria importante o significado do nome? Talvez ele tenha muito mais coisa que os outros, mas não o é visível até pra ele.
Mas mas importante que isso é o significado de sua existência em si e que guarda relação com a importância dele no mundo. Se reter apenas no nome mostrou um escapismo natural, e então deixou de se ver a verdadeira pessoa que ele é, pura e inocente, E sendo mais enfático, um SER humano.

O nome? O que importa?
O que importa é o que ele é para o mundo? Se nem isso dá pra descobrir, pode esquecer.


PS: UFA? Satisfeito Borba? Li agora com a alma de "escritor imortal", mas com um entendimento de um mero amador. Mas fazer o que?


ALF

Anônimo disse...

Nem tanto o que ele é para o mundo. Afinal, somos o que para o mundo de quem?
A grande importância está no que o mundo é para ele, o dele principalmente, no caso, não sendo. É o mundo para a gente... E todos os universos que se descortinam como causa ou consequência disso.
É o ser-estar no mundo... Já que estamos na linha dos escritores imortais.. hehehe

Anônimo disse...

Não vou concordar com Borba na escolha de seu adjetivo... Delicado, diria...
[]'s

Anônimo disse...

Tem um certo sobrenome Costa, que alguém certa vez disse que sempre quis saber o significado, em um ex-passo remoto.

Isso de conhecer o autor é tão legal! É como ler a biografia de Garcia Marquez!

=*

Anônimo disse...

Já falei q eu adoro os seus textos né...
Pagaria caro pelo seu livro...

Muito sensível... e muito devassador ao mesmo tempo..