terça-feira, outubro 25, 2005


Contos Inacabados - 2

Vida

Sumiram e por lá não mais apareceram.
Ainda hoje, a toda e cada vez que a chuva dá suas gotas no mês de outubro, se pensa neles. A chuva os levou, junto com suas enxurrada de sonhos perdidos? Talvez sim, mas não as lembranças do belo sorriso e do olhar iluminado do casal. Outubro é um mês estranho. Triste e escuro. Outubro...

E o bebê? O que terá acontecido?

Ela era uma menina diferente aos 15 anos. Isolada. Complicada. Agonizante. Não sorria nunca, não conseguia. Era algo mais forte que ela. Era algo mais forte que tudo. Paralisava os músculos da face como um murro que lhe quebrava a felicidade que nunca viria. Não tinha amigos, não tinha parentes, não tinha nada.
Foi mais ou menos nessa época que ela começou a descobrir. Era outubro e fazia calor. O suor pregava na camisa desbotada. Ela parecia não sentir os efeitos caudalosos do mormaço. Andava normalmente, em meio ao deserto de cimento seco que era a rua naquela hora. Parecia que ninguém tinha coragem de tomar aquele sol de fronte aberta.
Então ela não acreditou quando viu aquele garoto. Miragem? Talvez.
Ele era lindo passando a mão na testa, tirando os cachos negros dos olhos.
Ele olhou. Ele “a” olhou. Sorriu. Ela retribuiu o olhar, mas o sorriso que queria aparecer não veio. Ela sentiu vontade de gritar, mas o grito ficou preso na garganta como espinha de peixe. E nesse momento aquela força enorme lutou contra ela uma luta interminável de cinco segundos. No ato do sorriso, ela sorriu. Muito rápido então, ele caiu. E um filete de sangue escorreu por detrás de seus cabelos. Foi rápido. Instantâneo.
O grito saiu, ela gritou, e correu.
Correu pra nunca mais aparecer lá.

Borba

domingo, outubro 23, 2005



Contos Inacabados


Infância

Um dia ela nasceu.
Não um dia qualquer. Era um dia frio e gélido. Um dia Europeu, mais a leste. Vento e melancólico. Ventania e melancolia.
Era um dia tão triste que poderia ser noite. Mas ela nasceu de dia, e entre os cabelos engrenhados apareceu um pequeno sorriso. Normal para alguém, não pra ela.
Um sorriso inimaginável. Inimaginavelmente lindo e iluminado.
Por um longo tempo ela não viria a sorrir mais.
Ao longe um barco abria no cais. Começou a chover e os garotos que brincavam na rua - mesmo com tanto frio - correram pra se esconder dos pingos pesados, como se fosse algo possível. Não era possível. Naquele mês do ano, quando chovia não acabava mais. Geralmente durava dois, três dias. Mas naquele dia foi estranho. Choveu por 2 semanas, ininterruptamente.
Era como se algum Deus chorasse a morte de alguma alma muito querida lá em cima. Ela viveu. Foi nesse dia que ela nasceu.

Niguém sabia de onde vinham aqueles dois estranhos.
Eles chegaram, entraram e não saíram mais. Parecia um casal, e realmente era um.
Sempre de olhos cabisbaixos, o homem vez ou outra aparecia na janela. Olhava de um lado ao outro - as vezes parava, como se pudesse estar enxergando algo na escuridão gélida do horizonte - e saia. Ela, parecendo sempre muito assustada, quase nunca aparecia.
Ninguém entendia de onde eles se alimentavam, de quê, como ou quando. Todos cismados, ninguém entendia. Ninguém procurava entender. A única coisa que visível era que ela estava grávida. Nas cada vez mais raras vezes que ela aparecia, a grande e bela barriga parecia ter aumentado mais.
Mas aí eles começaram a aparecer com maior frequência, e mais felizes. Já até falavam como os vizinhos. O homem parecia ter o olhar iluminado, e a mulher, prestes a dar a luz à criança, sorria mais. Um sorriso inimaginável. Inimaginavelmente lindo e iluminado.
E de repente, como se já não bastasse o fato deles começarem a falar com todos de uma hora pra outra, algo aconteceu, e eles sumiram pra sempre. Algo que ninguém sabe o que foi. Ninguém entendeu. Tudo assim, muito rápido mesmo. Entrecortado. Riscado.
Depois de um tempo todos esqueceriam deles, não fosse o fato estranho que ocorreu naquele dia: choveu, como de costume muito - naquele mês do ano era assim, chovia sempre por dois ou três dias sem parar - mas não parou de chover por duas semanas.

Borba

sexta-feira, outubro 14, 2005




Ultimamente minha vida tem cheirado à nostalgia.
Tanto que chega a feder.
Aliás (tempo para respiro) se tem duas coisas que eu gosto de falar que sou pelas quatro avenidas de Genebra, uma é utópico, a outra é nostálgico.

Eu tenho uma tia-avó.
O nome dela é Rosinha.
Ela é uma graça, apesar de ser estranha.
Ela vive com um pano enrolado na cabeça, e ai de quem tocar nesse pano.
Ninguém sabe onde ela mora. Quando eu digo 'ninguém', eu quero dizer: NINGUÉM!.
Ela sempre aparece aqui em casa sem avisar nada. Ela simplesmente aparece. Puf! Aparece.
E ela aparece, fica, vai ficando, e fica mais. Na última vez, foram 3 meses.
Ela dorme no sofá da sala.
Ela não costuma tomar banho.
Ela é legal, apesar de ser estranha.

Ontem ela e minha avó estavam a conversar na cozinha, enquanto descascavam amendoins para fazer paçoca:
-Lembrei de quando o Mateus era pequeno, e eu costurei uma camisa pra ele...
(Nesse momento minha avó começa a rir).
-...aí eu disse: 'Venha Teteu, experimentar a camisinha que eu fiz pra você!'
(Nesse momento as duas estão rindo).
-...Ele respondeu: 'Não titia, que eu ainda sou muito pequeno pra usar camisinha'.
Passa o tempo. 3 segundos.
(Nesse momento as duas estão a chorar).
-Ele era tão esperto...(soluço).
-É...(fungada).

Eu fiquei me perguntando:
'Será que eu morri e não descobri ainda?
Legal, vou procurar o John pra ele me ensinar a tocar While My Guitar Gently Weeps...'

Borba

terça-feira, outubro 11, 2005

A luta de uma mulher prometida

Como todo pêlo pubiano que chega de uma vez e domina toda uma área, inicou-se após a II Guerra Mundial uma maciça ocupação de judeus na Terra Prometida.

Para resolver a situação foi criada pela ONU, dois estados o de Israel ao centro e da Palestina nas extremidades leste e oeste. Depois de 1948 e a criação da Palestina e Israel, o Mundo viu que mesmo assim não houve paz, já que os povos vizinhos iniciaram ataques contra o centro, Israel. Para dominar de vez a região, Israel criou assentamentos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, além de ter dominado toda a Península do Sinai e devolvido-a na mesma rapidez com que tomou. Só nos últimos meses iniciou a retirada de suas forças da Faixa de Gaza e, para alívio do Mundo, vai inicar a retirada da Cisjordânia.

Vendo-se cercada por pêlos pubianos a moça não sabe o que fazer, mas tem uma idéia: pedir ajuda à mãe que diz, "Faça como uma espécie de tratado de paz. Deixe uma região intocada no centro e nas extremidades direita e esquerda elimine os pêlos." Com o passar do tempo a moça via que tinha um grande desejo de depilar o centro, principalmente quando ia depilar a coxa dava vontade de destruir tudo aquilo que havia a mais na região pubiana. Após esses ataques mal-sucedidos os pêlos tomaram as regiões vizinhas numa espécie de assentamentos. Recentemente a moça, agora uma mulher, conseguiu, através de "acordos", a retirada dos pêlos na área da direita e, se conseguir perseverar, conseguirá remover os da esquerda e tudo se acabará nas águas do Golfo de Ácaba.

Filipux

segunda-feira, outubro 10, 2005

Bom dia, Dona Diu

Hoje no caminho pra aula eu estava pensando em coisas...
Sabem? Coisas?
Entre um tropeço na calçada destruída, um QUASE! no cocô do cachorro e um escorregão na ladeira, eu consegui lembrar de momentos felizes da minha infância. Antes de morar aqui em Salvador, eu sempre vinha passar férias da casa da minha avó (essa mesma, dona da casa onde eu moro hoje, e da história do ‘ovo do Hitler’ – ver ‘Na Gaveta – Julho/2005 - Desculpas ao post vazio’).
Isso ainda nos meus primórdios, quando eu brincava com o Sulapa, o Nôzinhu, o Coroa, o Cabeça, o Perna 1 e o Perna 2, o Uégo e o Tíutiu; quando eu ainda tinha medo do Ximbica, e toda vez que ele aparecia, todo mundo gritava e eu corria (ainda não entendo bem a razão disso...); quando a gente ia pra praia do Corsário, e tínhamos que esconder a bola pra galera da ‘Malconha’ não roubá-la; quando eu era triste por não ter um apelido legal igual a todos os garotos da rua; quando eu ‘pegava o baba’ (como os soteropolitanos falam ‘jogar futebol’) aqui perto de casa, e sempre voltava quando o dia já havia morrido, todo suado, sujo, e geralmente com um pedaço do dedo deixado pra trás.
Aliás foi daí que surgiu meu ódio por aquela velha. Ah!, Dona Diu (não sei se é ‘Diu’ ou ‘Dil’, por que o nome dela tanto pode ser ‘DiUmínia’ como ‘DiLuvida’), se a senhora soubesse quantas macumbas a galera da rua fez pra que a senhora escorregasse enquanto lavava a varanda da sua casa! Ou pra que a senhora engasgasse e morresse com o caroço do cajá que a senhora nunca dava pra gente...
Acontece que meu pai tinha comprado uma bola novinha, daquelas de couro. Na época, Topper era A marca do sucesso. A marca do momento. O Branco (jogador da Seleção Brasileira) era quem fazia a propaganda: ele soltava um petardo que atingia o peito do goleiro com força e o afundava nas traves.
No meio do baba, o Sulapa, que era gordo, e grosso, achou que era o Branco, e com a MINHA bola Topper (é, eles me convenceram a usá-la na rua). Ela foi parar no quintal da Dona Diu.
Nessa época a gente ainda não odiava a velha. Ficou todo mundo lá na frente da casa dela:
- DÔônaa DííÍÍíuuuuuuuUUôôÔÔÔ!!! DÔônaa DííÍÍíuuuuuuuUUôôÔÔÔ!!!
Nada.
- DÔônaa DííÍÍíuuuuuuuUUôôÔÔÔ...
De novo nada.
Aí alguém teve a idéia de pular o Kevin por cima do muro. O Kevin (de Kevinliano – juro por Deus, é o nome dele!) era menor e mais ágil. Então lá foi ele.
ZAP. PUM. PAF! De cara no chão.
As conseqüências desse ato não são nada, perto do fato da Dona Diu ter ficado com a minha bola-da-Topper-que-o-Branco-fazia-propaganda PRA SEMPRE! Ah, velha safada! Aposto que de noite ela ficava na sala tentando fazer embaixadinhas, não se achando o Branco, mas pelo menos a bisavó dele.
Esse dias eu nem lembrava mais o motivo, mas lembrava que odiava ela, quando ouvi uma conversa dela com a minha avó:
(...)
- Pois é, eu sempre o vejo indo de manhã pra Universidade, e sempre rezo pra ele ir com Deus e em paz.
ÃNH? Que velha famigerada e cara-de-pau. Além de roubar a minha bola, ainda fica se fazendo de boazinha pra minha avó!
Pra tirar a dúvida e desmascarar essa uva passa enrugada, hoje de manhã eu passei por ela e falei, com muito esforço pra fazer uma cara convincente:
- Bom dia, Dona Diu.
Ela estranhou, levantou a cabeça e me olhou um olhar que bateu no meu coração:
- Vai com Deus e em paz, meu filho. Bom estudo.
...

E hoje eu tento julgar menos as pessoas.

Borba.