terça-feira, maio 23, 2006

João era cético.


     E, como todo cético, buscava a razão em tudo. Não que o mundo tenha razão, ele tem só acasos. Mas, felizmente, João tinha 7 punhados de razões para cada fato que ele analisava com seus óculos bifocais.
     Ele tinha duas linhas verticais no intercílio, sinal de compulsão quase sexual pela investigação. Como não se analisa as coisas sem premissas, João estudava. E estudava muito, observava, assistia — quando a mente acalmava, é claro —, sempre coletando dados que lhe servissem de postulados em seus exames. Aos livros, ele deveu, então, um dos graus de suas lentes. À compulsão por nitidez e clareza, o outro.
     Pode parecer, numa primeira visão, que o homem era curioso. Não. A paixão pelo escrutínio foi motivada, talvez em parte, mas nunca totalmente pela filosofia em si, senão devido à incapacidade que João tinha para suportar qualquer indeterminação. E, seguindo essa lógica comportamental, não é difícil prever, seguiram-se muitas dores de cabeça: a do porque pinga a torneira, porque a lua aparece pequena em fotografias, como funciona uma caixa de marchas, qual é o motivo da gravidade... E a do sentido da vida, entre outras.
     Sim, João descobriu o sentido da vida, ou deu um à ela, mas deixa pra lá. Acontece que um dia teve algo que João não entendeu.
     7 sinaleiras abertas consecutivamente. E ele só foi notar na 5ª. Deixou passar, mas se lembrou de que a 'onda verde', como era chamado o projeto de sincronização dos semáforos, ainda não fora aprovado, muito menos instalado.
     Uma buzina atrás de João. Não pode ser: a oitava sinaleira, ele se enganara, também estava aberta. Ele tinha de averiguar, de repente sentiu-se envolvido por um elã empírico e todas as linhas de compromisso da agenda de João se apagaram, naquela manhã.
     Naquela manhã, João percorreu São Paulo inteira, com uma fila de carros atrás, e o caminho livre à frente. Tentando inultimente dar razão para todo aquele caos. Todos os sinais verdes.
     João nunca mais foi o mesmo.

6 comentários:

Alfaia disse...

Sim, sim! Apoteótico e poético seriam as palavras certas.

Eu gosto de coisas que me fazem pensar, viajar, filosofar.

Outro dia, aqui mesmo pelos becos de Genebra, um tal Caio me pregou essa peça. Porque o rio nunca mais secara no texto dele.

E viu Deus que isso era bom: João ser cético.

Anônimo disse...

Ei, me apresenta o João?

Eu preciso, com o máximo de urgência, de uma uma top 10 list: verdades absolutas (não relativizáveis).

Eu sei que elas existem, mas ainda não sei quais são...

O João tem msn?

Anônimo disse...

Deve ser frustante ser "um"(o) João!

Certamente "Joãonizar" a vida deve ser o caminho mais dificil!

Marca-se então a volta com pedacinhos de pão!

Anônimo disse...

Ah,
essa descrição de cético
me fez pensar,
e essa do mundo não
tem razão só acasos?
Esse negócio de flosofia
só estraga a minha cabeça...
O final pareceu mto
com os filmes cabeças
q a década de 70 produziram
sem contar com as "chanchadas"
=D

[]'s
Se cuidem.

Alexandre Lucio Fernandes disse...

Seria eu um joão?
Mas o pior desse cetismo é o próprio fato do ceticismo.
Dificil acreditar porque?

Poético sim. Mas muito revelador e me identifiquei.

É Thiago, eu também tenho um pouco da característica do joão.

"Cest'la Vie"

Até companheiros.


ALF

Anônimo disse...

Estou precisando de sinais sistematicamente verdes na minha vida! =)