As persianas impedem que a luz atinja seus olhos. Isso é bom. Domingo dos namorados. Das mães? Não sabe mais. Pode ser finados. Cinzas. Corpus Christi. Um café. Da namorada, nesse dia propício. Não há namorada, porém. Desde... lembra? Montevidéu, com escala em Buenos Aires, a última.
O reflexo acusa. É preciso tirar essa barba. Os pêlos do bigode já começam a fazer cócegas nos lábios. Da última vez não lembra: quando? O barbeador estava cego. Lavou os olhos remelentos. O reflexo observa o rosto moreno, pálido. O cabelo emaranhado. Unhas das mãos. Dos pés. Enormes. Entrou nessa fase – naturalista, dizia a si mesmo – quando? Não lembra. Os pubianos, peito, axilas. Naturalista, repetia com o olhar ao outro, o do espelho.
Até agora não abriu a boca, sabe da reação. A reação de quem sentirá um cheiro desagradável vindo do próprio estômago. Quem dera saísse por outros orifícios, pelo menos são mais distantes do nariz, mas não. Seu corpo não obedece mais. O hálito: abafado. Certamente terá vontade de vomitar, anda sensível esses dias. E o fará. E terá nojo da baba espessa alojada na pia. Mais vômito. Cai. Arrasta-se, fugidio, até a porta do quarto.
Respira, respira. Respira? Ainda.
Doses homeopáticas de esquizofrenia servem pra curar da solidão. Companhias nessas horas são importantes, concluiu. E riu, regozijado perante seu bom humor em situações extremas. E volta a dormir, pois amanhã será um belo e proveitoso dia, como foi hoje, e como tem sido todos estes últimos meses da sua vida.