terça-feira, junho 20, 2006

E eu só queria morrer agora.

Morrer talvez não no sentido literal, que seria, de algum modo, ação. Morrer metafisicamente e, por isso, verdadeiramente.

Eu só queria ficar no computador comendo rapadura que não me deixará gordo, com meu coração batendo descompassado como ele faz às vezes, meus poros exalando sebo e as bactérias me decompondo as células mortas. Eu, uma massa orgânica de cuja superfície vão crescendo cabelos feito carne num moedor.

Isso é morrer. E, para quem não quiser acreditar eu ainda posso ser mais específico.

O ponto aqui, e é justamente o que me faz perder o tempo que eu devereria estar morrendo para, então, explicá-lo a vocês, é o seguinte:

A vida é um labirinto.

Okay, se você entendeu o aforismo, está dispensado. Os demais, ajoelhem-se e sentem-se sobre os calcanhares.

Classifiquemos todas as ações em dois grupos: criativas e destrutivas. Criação é o desejo de crescer, viver e melhorar, adaptar-se, etc. Destruição é o desejo de verter, morrer e ausentar-se, esquivar-se e adaptar o mundo à si.

Ambos são naturais e necessários, mas se cumpre entendê-los. Quando o caminho está livre, andamos. Este é o análogo à Criação. É quando se aprende línguas, se constrói casas, se cuida do corpo, aprende... Dói, cansa, prende.

Quando, entretanto, no labirinto da vida, adentramos um beco sem saída... O que fazer? Há se de voltar atrás — a Vertigem. É desleixo, é descaso, desprendimento. Dá prazer, é relaxante, liberta.

Esta última, como tudo, deve ser bem dosada. Até porque não existem becos sem saída, embora não haja tanto mal assim numa recaída pequena, sendo esse o nosso reflexo natural. Afinal, você nunca teve a vontade de simplesmente deixar de existir? E, entrementes, é tão ruim assim?

quinta-feira, junho 08, 2006

Mystic Sea

Pergunte a um florianopolitano do que ele tem medo.Viver longe do mar. O mar é tranqüilo, passa serenidade.Acordar e olhá-lo.
Moro na ilha e longe da praia.Mas eu acordo e lá está o trânsito debaixo da janela.Do outro lado há uma rua escondida, com crianças jogando a bola no telhado, a obra de um prédio, algo que já foi um gramado, agora é terra e mato. E há uma árvore no canto.Há uma casinha com um cachorro marrom preso a essa árvore.Abro a cortina e o vejo, mas ele tá sempre pensativo e nem olha.
Contemplo essa paisagensinha escondida em meio ao urbano e penso. P'ra que serve o mar?
P'ra nada.Seria a morte morar perto dele, por que só vivo pela esperança de um dia ver aquele cachorro se soltar.

domingo, junho 04, 2006

A escada


Subiu.
A ladeira era a de sempre. O caminho, o mesmo.
O dinheiro, juntado e guardado no bolso, o mês que ele recebia do Seu Anastor, deveria ir pro fundo falso do pote de macarrão de casa. E no outro dia pro caixa do supermercado. Dinheiro do arroz-com-feijão-nosso-de-cada-dia.
Deveria.
Tudo bem, dessa vez passava, afinal, roubos no seu bairro eram freqüentes.

Entrou.
O que impressionou a foi a escada. Uma escada atipicamente limpa para um ambiente como aquele. Uma lavagem utopicamente alva, de uma aurora e um nascer-do-sol. Nenhuma marca, laivo, borrão, nada.
“Será que existe uma mulher aqui só pra limpar essa escada?”. “Não, um lugar desses não pode se dar ao luxo de perder uma mulher só pra limpar a escada.”
E ele não podia se dar ao luxo de perder mais tempo.
Bateu.
Três tocs, alguém atendeu.
Não cabe aqui falar dela. Ela, que na verdade seria a figura mais interessante pra se descrever nesse conto, não mereceu muita atenção dele.
Ele ainda estava intrigado com a escada.
Depositou o dinheiro na mesinha suja e gasta, no canto mais escuro, o que não era iluminado pela janela sem redoma.
Ela sentou na cama, levantou a saia.
-
Entrou.
Saiu.
Entrou.
Saiu.
Entrou.
Saiu.
Entroooooooou.

Saiu.
-
Levantou.
Ela tirou uma bacia azul de baixo da cama, uma bacia com água. Lavou o sexo, esfregando vigorosamente. Estava pronta para outra.
Tudo isso enquanto ele saia, e de dentro do quarto ela viu.
Aquele menino estranho que por repetidas vezes continuou indo visitá-la, sempre no mesmo dia do mês, sempre o mesmo ritual, sempre o mesmo olhar intrigado pra escada do corredor.