domingo, outubro 23, 2005



Contos Inacabados


Infância

Um dia ela nasceu.
Não um dia qualquer. Era um dia frio e gélido. Um dia Europeu, mais a leste. Vento e melancólico. Ventania e melancolia.
Era um dia tão triste que poderia ser noite. Mas ela nasceu de dia, e entre os cabelos engrenhados apareceu um pequeno sorriso. Normal para alguém, não pra ela.
Um sorriso inimaginável. Inimaginavelmente lindo e iluminado.
Por um longo tempo ela não viria a sorrir mais.
Ao longe um barco abria no cais. Começou a chover e os garotos que brincavam na rua - mesmo com tanto frio - correram pra se esconder dos pingos pesados, como se fosse algo possível. Não era possível. Naquele mês do ano, quando chovia não acabava mais. Geralmente durava dois, três dias. Mas naquele dia foi estranho. Choveu por 2 semanas, ininterruptamente.
Era como se algum Deus chorasse a morte de alguma alma muito querida lá em cima. Ela viveu. Foi nesse dia que ela nasceu.

Niguém sabia de onde vinham aqueles dois estranhos.
Eles chegaram, entraram e não saíram mais. Parecia um casal, e realmente era um.
Sempre de olhos cabisbaixos, o homem vez ou outra aparecia na janela. Olhava de um lado ao outro - as vezes parava, como se pudesse estar enxergando algo na escuridão gélida do horizonte - e saia. Ela, parecendo sempre muito assustada, quase nunca aparecia.
Ninguém entendia de onde eles se alimentavam, de quê, como ou quando. Todos cismados, ninguém entendia. Ninguém procurava entender. A única coisa que visível era que ela estava grávida. Nas cada vez mais raras vezes que ela aparecia, a grande e bela barriga parecia ter aumentado mais.
Mas aí eles começaram a aparecer com maior frequência, e mais felizes. Já até falavam como os vizinhos. O homem parecia ter o olhar iluminado, e a mulher, prestes a dar a luz à criança, sorria mais. Um sorriso inimaginável. Inimaginavelmente lindo e iluminado.
E de repente, como se já não bastasse o fato deles começarem a falar com todos de uma hora pra outra, algo aconteceu, e eles sumiram pra sempre. Algo que ninguém sabe o que foi. Ninguém entendeu. Tudo assim, muito rápido mesmo. Entrecortado. Riscado.
Depois de um tempo todos esqueceriam deles, não fosse o fato estranho que ocorreu naquele dia: choveu, como de costume muito - naquele mês do ano era assim, chovia sempre por dois ou três dias sem parar - mas não parou de chover por duas semanas.

Borba

10 comentários:

Anônimo disse...

O título não muito original, mas vocês vão entender.

- disse...

Achei belo.
Belo, forte e não sei mais o que dizer!

Lindo, talvez...

Alfaia

Anônimo disse...

Também gostei desse conto inacabado, Borba!
Estranho, frio (de temperatura, não de "calculado", que fique claro ;P), nostálgico.
A ambigüidade da segunda parte que me intriga. Não sei se é narrado um tempo anterior à primeira parte, onde o casal estaria grávido do bebê que nasce na primeira parte; ou se é narrado um futuro, e a mulher grávida é a menina da primeira parte.
Vejo uma coisa que me atrai, o isolamento, o "ser diferente", logo, olhado pelos olhares curiosos dos outros, a chuva como elemento da narrativa que espelha o íntimo... e um escritor às voltas com o desenvolvimento de seu estilo.

valeu, borba! até mais.. ;)

Anônimo disse...

o sumisso do casal da segunda parte ocorre no msm momento historico da primeira narrativa????

- disse...

Começa no fim, e termina no começo.
É um tanto chuvoso. Aliás, gostei da foto (como se isso fosse um fotolog.)
Por que Genebra não é um fotolog?
(Desculpem o devaneio.)
Cadê o Pux?
Ele vai voltar, de onde quer que tenha ido, o quão rápido for humanamente possível... Só pra atropelar esse post.

Com uma foto colorida -- já perceberam que ele põe fotos coloridas?
Pux?
Tchau thiago

Anônimo disse...

hoauhaouhaouhaouahuoahuaohuahoauho!

Demais seu comentário Cauduro.

Aliás, caramba hein...
Acho que o sr. Rodrigo entende mais de mim que eu mesmo x) Eita comentário que até me fez pensar.

Muito bom, contiue sempre assim, assim sempre, sempre que assim possível!



Borba

- disse...

Sabe aquele texto que você tem uma catarse enorme?

Pois é, eu, depois que terminei de ler esse, me senti ensopado...
Sorrindo...
E estranhamente gestante!

Alfaia

Anônimo disse...

Poxa, que texto lindo.
Por que é inacabado? Por que você não termina ele?
Adorei, achei muito bem escrito, com toda essa linguagem rebuscada, mas simples.
Achei belo.
E eu quero ver o resto sim :)

.:Tái:.

- disse...

Daltonismo, arteísmo. Duas (virtudes?) que Filipux não tem. Ah, e ele é (in)coveniente.

Filipux

- disse...

Ele morreu de quê?

Afinal ela é algum tipo de Medusa ou algo que o valha?

Não era pra ela sorrir? Preferia eu morrer se fosse ela!

Ela podia inventar uma expressão para equivaler ao sorriso.

Thiago, a puta ex-verônica, ex-saudável, que não pode mais prostituir-se até acabar de tomar o antibiótico, que, aliás, parece tê-la feito meio chapada (não, ela é chapada mesmo).