quinta-feira, outubro 05, 2006

O mormaço de Elisa

Elisa não queria saber de nada. Aliás, não queria nem pensar: imaginá-lo já lhe cansava. Elisa queria simplesmente deixar de existir, e voltar a ser em outro momento, em outro lugar, com uma aliança no dedo ou um homem na cama, o mais, não sabia.

O fato é que há milhares desses momentos inexoráveis dentro de sua vida. Instantes, ou melhor, tardes ou noites inteiras nas quais nada lhe é possível e tudo parece sem solução. São desses tormentos intrínsecos que resultam metade dos seus cortes de cabelo. E essa constatação tornou possível a estimativa de quando se dera a última crise. Nessa vez, cortou uma mecha de cabelo com uma tesoura de unha, na altura do ombro. Segundos depois, no queixo, e, mais adiante, à doze centímetros da raiz. Assim se sucedendo com o resto do cabelo; no dia seguinte uma arrependida e mais sã Elisa foi ao salão, a fim de descobrir com o que os penteados com doze centímetros se pareciam.

E Elisa está agora, novamente, com uma tesoura de unha na mão. A tesoura, porém, desta vez, não a ajudará tanto: o seu cabelo está igual ao de um menino de internato, cujas madeixas foram cortadas com o auxílio de um pote e, depois, penteadas para os lados. Por mais rude que a bicha do salão tenha sido, no entanto, a aparência lhe caiu bem. Os seus seios pequenos e empinados combinam com ele. E as partes baixas do crânio de Elisa, quase nuas, gotejam a sua loucura nos momentos de tédio.

Elisa agora pensa como seria ser careca. Uma cabeça esquizofrênica ou uma daquelas mulheres gordas que cortam o cabelo com máquina e usam pomada para despentear. E com todo o banheiro, todo o universo pulsando tédio ao seu redor, Elisa decide ter um orgasmo. Gozar é sempre uma das ações para esses momentos de tédio; — apesar de saber que não funciona — Elisa sempre se lembra de quando ouviu no Discovery Health que crianças estressadas tendem a se masturbar mais. Elisa sente-se louca, abobada, ridícula pensando essas coisas e com uma mão no seu clitóris. Pára um instante. O silêncio do tédio lateja. Continua. Elisa goza. Na verdade, só percebe que gozou porque sempre lhe sai pequena quantidade de um líquido estranho, extremo inconveniente. Elisa pensa em como deve ser ruim ser homem. Elisa se sente frustrada por ter gozado sem perceber.

Pega a tesoura de unha. Imagina, sem querer — porque, por vezes, seu pensar é automático —, na lâmina ao redor do clitóris. Contrai-se: não quer uma lâmina cortando-lhe o sexo. Deixa de besteira, pensa. Elisa volta a tesoura para cabelo.